PARTE I


Não se sabe ao certo em que época foi conhecido o alto do Rio Sapucaí, embora Diogo Vasconcelos tenha afirmado que por ali passou, em 1601, a expedição de Dom Francisco de Souza, da qual fazia parte o alemão Glimmer, o primeiro naturalista que penetrou no território mineiro. É incontestável, porém, que pelos fins do século XVI, já se sabia da existência de ouro, tanto no alto do rio Verde como no Alto Sapucaí, conforme Orvile Derby, no seu trabalho "Os primeiros descobrimentos de ouro em Minas Gerais".
Derby refere que as descobertas das minas do Alto Sapucaí passaram despercebidas por serem pobres e o seu ouro, chamado de "lavragem", não existir em quantidade que fizesse desaparecer o preconceito geral contra as minas de tal natureza. De fato, as jazidas do sul de Minas não atraíram notavelmente os mineradores, salvo as minas do Rio Verde, entre Campanha e São Gonçalo, muito procuradas pela sua riqueza e extensão. Essas minas tornaram-se por fim o centro das explorações que deram em resultado o devassamento de grande parte do sul de Minas. Estavam elas em franca exploração quando se deu a primeira contenda de limites entre as capitanias de São Paulo e Minas Gerais.
Por este motivo, Francisco Martins Lustosa, João Veríssimo de Carvalho e outros paulistas influentes, que residiam no distrito de Campanha do Rio Verde, foram intimados pelas autoridades mineiras a deixar o povoado, por causa de suas pretensões favoráveis à posse de São Paulo. Em consequência do ultimato, Lustosa e seus companheiros transpuseram o Sapucaí, então limite entre as capitanias, e se estabeleceram em suas margens. Tempos depois, iniciaram as explorações que fizeram em toda a região, cujo resultado principal foi a descoberta das ricas jazidas de Santana do Sapucaí, pelos anos de 1743 a 1745.
Em 1746, Martins Lustosa e Veríssimo João tomaram posse do descoberto de Santana e foram nomeados pelo governador de São Paulo, respectivamente, Guarda-mor e Intendente das minas. Deixando depois as terras repartidas e em franca exploração, prosseguiram em suas investigações, devassando toda essa parte da bacia do Sapucaí.
Veríssimo João perlustrou os rios Cervo e Mandu, em cujas as cabeceiras descobriram-se as minas de Ouro Fino, e mandou abrir uma picada entre Santana e o novo descoberto. Apossadas e divididas as minas de Ouro Fino, Lustosa, que já havia construído uma igreja em Santana, mandou construir outra em Ouro Fino, o que, como diz Derby, ficou em flagrante desacordo com a denominação de "quilombo", que os mineradores davam ao arraial, para afugentar as autoridades e o fisco principalmente.
Francisco Martins Lustosa, que foi tabelião em Mogi das Cruzes, mais ou menos no ano de 1735, era homem enérgico, inteligente e possuidor de cultura, o que, naquela época, devia ser coisa pouco vulgar. Veríssimo João de Carvalho, vereador, também de Mogi das Cruzes, figura destacada, por algum tempo companheiro de Lustosa, tornou-se considerado pelos mineiros como autoridade, pelo conhecimento que tinha da região que devassou, e respeitado por suas qualidades cívicas e tendências a favor de Minas Gerais, na questão dos limites.
A estes dois sertanistas, quase desconhecidos, devem-se todas as denominações geográficas da região compreendida entre as serras do Cervo e São Domingos, nas nascentes do Itaim.
Alguns anos antes dos fatos referidos, Simão de Toledo Pisa, partindo de São Paulo, estabeleceu-se com Carta de Sesmaria nas paragens do rio Jaguari. Daí estendeu as suas explorações, cujo resultado foi a descoberta das minas do Jaguari, que parece terem dado origem à atual freguesia de São José dos Toledos.
As investigações de Toledo Pisa e Lustosa-Veríssimo, partindo a primeira do sul e a segunda do norte, tendendo ambas para o mesmo ponto, encontraram-se por fim. O fato produziu a abertura do caminho que atravessa toda a paragem compreendida entre as serras Carapuças, Boa Vereda, Pantano, Paredes e Palmital, de um lado, e o Sapucaí de outro; fechada ao norte pela serra do Cervo e ao sul pelas vertentes da Mantiqueira.
Essa vereda, que, a princípio, foi um prolongamento do caminho de São João del-Rei para Campanha e Santana, tornou-se, ao alcançar o pouso de Cláudio Furquim de Almeida, o trajeto mais curto entre São Paulo e Vila Rica.
Ao longo desse caminho estabeleceram-se paulistas e mineiros, uns com carta de sesmaria, outros como aventureiros, abrindo as fazendas de criar, que deram origem a várias localidades, entre as quais as cidades de Camanducaia, Cambuí e Pouso Alegre.
A primeira sesmaria concedida no percurso dessa estrada foi ao paulista Cláudio Furquim de Almeida, pelo Conde de Bobadela, em 1762. Pelo que foi possível averiguar, Furquim de Almeida já habitava a paragem desde 1757, com fazenda de gado vacum e criação de éguas. De tal fazenda originou-se um pequenino povoado que tem hoje o nome de Itapeva, situado entre Santa Rita de Extrema e Camanducaia. Naquele tempo, a Fazenda Furquim era ponto de pouso e lugar geral e oficialmente denominado "Pouso Alegre". Ainda hoje, em alguns mapas geográficos de Minas Gerais, o lugar vem assinalado com o dito nome.
Na mesma época, isto é, em 1757, mais ou menos, alguns aventureiros estabeleceram-se mais adiante - uns em Camanducaia, outros em Campo Largo (Cambuí); Domingos Soares, onde é hoje N. S. da Conceição da Estiva e, por fim, Antônio de Araújo Lobato e Félix Francisco, nas paragens do Mandu.
Em 1760, toda a grande região mencionada era conhecida e geograficamente denominada pelos exploradores que a devassaram, assim como oficialmente administrada.
Da ambição dos aventureiros que se perdiam ao longo dos rios e ribeiros em procura de ouro, nasceu o conhecimento do vasto sul de Minas. Uma vez esgotadas as terras minerais, eles as abandonavam e partiam por mais aventuras e por mais ouro. Mas a lavoura e a criação prenderam e radicaram os que habitavam ao longo dos caminhos, onde levantavam a capela e o cruzeiro - o povoado sertanejo de que nasceram as cidades.